PAÍS DE GALES – Cinquenta pequenas empresas se alinham nas
ruas de Crickhowell. Há uma livraria, uma padaria, uma loja que defuma
salmões e um pub. E entre elas também há o café de Steven
Lewis, o Number 18 Cafe & Brasserie, que assim como muitas outras
lojinhas de Crickhowell, tem uma reclamação que vai muito além das
fronteiras da cidade. Lewis, um forte ex-militar de 63 anos,
ajudou a transformar Crickhowell no local de nascimento de uma revolta
de pequenas empresas da Grã-Bretanha contra um sistema fiscal que eles
acreditam funcionar contra eles e em favor de corporações multinacionais
como Facebook, Google e Starbucks. A cidade, com 2.063 habitantes,
ficou famosa por ser um dos últimos bastiões britânicos contra a entrada
de grandes redes varejistas.
Lewis conta que pagou 21 por cento
de impostos sobre seus lucros no ano passado, ou o equivalente a
US$45.200. Por outro lado, o Facebook – com sede nos Estados Unidos, mas
que faz negócios na Inglaterra e, portanto, está sujeito à legislação
britânica – pagou apenas US$6.274 em impostos corporativos durante o ano
de 2014, ou quase um sétimo do que Lewis foi obrigado a pagar.
A
conta paga pelo Facebook também foi inferior à média do imposto de renda
individual e das contribuições para a previdência social pagos pelos
assalariados ingleses, que chegam a US$7.800 ao ano para pessoas com
renda média de US$40 mil ao ano. De acordo com Lewis e os outros
comerciantes de Crickhowell, esses são apenas os exemplos mais gritantes
dos montantes quixotescos que as multinacionais deixam de pagar,
deixando a conta toda para a classe média. E sua manifestação não é mais
que um estudo de caso de como o populismo econômico está se
desenvolvendo ao redor do planeta, conseguindo apoio para questionar
tanto os governos, quanto os interesses das grandes empresas.
Lewis,
major aposentado do exército que lutou na Irlanda do Norte e no Oriente
Médio, está trabalhando com seu regimento de comerciantes para incitar a
indignação pública em todo o Reino Unido, com o objetivo de chegar aos
acionistas, que irão pressionar os executivos a mudarem a forma de fazer
negócios na região. Ele planeja utilizar as mídias sociais para expor e
humilhar publicamente os diretores de empresas e aqueles que os apoiam,
incluindo até mesmo seus contadores.
— Sempre lute no território da sua escolha, nunca no terreno inimigo — explicou com uma metáfora militar.
Sua
tentativa de conscientização mais recente ocorreu no ano passado,
quando tentou replicar uma tática financeira frequentemente utilizada
pelas multinacionais, transferindo os impostos pagos pelas empresas de
Crickhowell para paraísos fiscais. Sem chance, disseram as autoridades
fiscais britânicas: ao contrário das empresas, as cidades não podem se
registrar em outros países e as pequenas empresas não estavam de acordo
com as definições necessárias para uma medida desse tipo. Mas Lewis jurou que continuaria lutando, recorrendo a táticas que aprendeu quando combatia terroristas.
— Seremos bastante brutais. Vamos atacar a jugular — afirmou recentemente.
A
autoridade fiscal britânica, a Receita e Aduana de Sua Majestade,
afirmou em um relatório recente que a receita fiscal perdida na
Grã-Bretanha através de esquemas de desvio de impostos chegou a US$4,3
bilhões em 2014, ainda que esse valor tenha diminuído drasticamente nos
últimos anos, graças a iniciativas do governo.
DESEQUILÍBRIO NOS IMPOSTOS
Contudo,
as autoridades são frequentemente atacadas por não fazerem o bastante.
Recentemente, um acordo avaliado em US$288 milhões em impostos devidos
pelo Google foi extremamente criticado, já que as vendas e os lucros da
empresa chegam aos bilhões todos os anos. Muitas empresas
norte-americanas que fazem negócios no Reino Unido se beneficiam de
impostos corporativos muito mais baixos que os norte-americanos, onde os
impostos obrigatórios em nível federal e estadual chegam a 39,1 por
cento. O Facebook afirmou que cumpre as leis fiscais britânicas e
destacou que os funcionários que vivem no Reino Unido pagam imposto de
renda sobre seus salários.
— Isso está muito errado — afirmou
Steven Askew, o padeiro de Crickhowell, durante uma pausa no trabalho,
com os braços cobertos de farinha.
Ele e a esposa trabalham 80 horas por semana, afirmou, e pagam mais imposto de renda que o Facebook.
— Alguém precisa se levantar e dar um basta nisso. Chega de injustiça — acrescentou.
Rose Tabb, que trabalha em uma chocolateria em Crickhowell, ao lado das ruínas de um castelo do século XIII, foi categórica:
— Ou todos pagamos, ou então nós vamos deixar de pagar.
Jo
Carthew é dona da Black Mountains Smokery, nos arredores da cidade. As
empresas multinacionais podem reinvestir o dinheiro dos impostos que
deixam de pagar, afirmou, o que permite que elas cresçam e se tornem
cada vez mais fortes. Ela não foi capaz de aumentar o número de
funcionários desde que a empresa foi aberta há 10 anos.
— Quanto mais aprendo sobre a forma como essas estratégias são utilizadas pelas multinacionais, mais fico indignada — disse.
Naturalmente,
os sonegadores de impostos não são apenas norte-americanos. Outro
exemplo é a Caffè Nero, uma rede de cafés com sede em Londres que não
pagou nenhum centavo de impostos corporativos na Inglaterra na última
década. A Cadbury, empresa britânica que foi comprada pela Mondelez
International, dos EUA, em 2010, que na época ainda se chamava Kraft,
não paga mais impostos no país há cinco anos, embora tenha lucrado mais
de US$144 milhões por ano.
SISTEMA DE CINCO ESTRELAS
As
grandes empresas, especialmente as que operam em nível multinacional,
geralmente empregam técnicas financeiras complexas, agressivas e
criativas para pagar o mínimo possível de impostos, muitas vezes
transferindo os lucros de países com impostos mais altos para outros com
impostos mais baixos. A autoridade fiscal britânica define essa prática
como “algo que está de acordo com os termos – mas não com o espírito –
das leis”.
Muitas empresas de Crickhowell colaram adesivos nas
vitrines declarando que fazem parte de uma “Cidade com Impostos Justos”,
e 27 outras cidades de todo o Reino Unido resolveram fazer parte dessa
iniciativa, de acordo com Lewis. Outro de seus objetivos é que as
autoridades fiscais coloquem em prática um sistema de cinco estrelas que
determine quais empresas pagaram corretamente seus impostos, tornando
os resultados públicos.
— As multinacionais ficam sob uma incrível
névoa de complexidade técnica, porque querem se esconder. Vou produzir
uma grande rajada de vento para deixar a situação clara para todos —
conta Lewis.
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